Pintor negro corre para ajudar no nascimento do filho e é preso por roubo
No momento, policiais militares do 10º Batalhão de Operações Especiais da PM perseguiam um veículo roubado de um motorista de Uber
atualizado
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O pintor Weverton Eduardo dos Reis Almeida, 25 anos, foi preso no dia 28 de junho, quando transitava pelo Conjunto Habitacional Condomínio Vida Nova IV, em Piracicaba, interior de São Paulo, local em que mora, em busca de ajuda para a sua mulher que entrava em trabalho de parto. As informações são do site Ponte Jornalismo.
No momento, policiais militares do 10º Batalhão de Operações Especiais da PM perseguiam um veículo roubado de um motorista de aplicativo por volta das 4h, quando os suspeitos pararam o carro e fugiram. Dois foram para uma região de matagal e dois correram na direção do condomínio onde Weverton e sua família moram.
Por coincidência, no mesmo momento, Weverton ava correndo do lado de dentro do condomínio onde mora. De acordo com Letícia Bortoletto Flenhã, esposa de Weverton, e testemunhas ouvidas, foi nessa hora que os agentes entraram no conjunto habitacional e prenderam o pintor.
A mulher do pintor tentou explicar que ela havia entrado em trabalho de parto e precisava de auxílio urgente. Também detalhou que estava correndo até a casa da sogra, que mora em um bloco do mesmo condomínio.
Não adiantou. Ele foi preso – perdeu o parto e ainda não conhece o filho, nascido naquela noite.
Invasão
De acordo com o relato da mulher, os policiais, então, teriam tomado conhecimento de uma agem criminal do homem e invadiram o apartamento do casal, sem mandado judicial, mas nada encontraram. Letícia também contou que, mesmo vendo que ela precisava de ajuda, os PMs teriam negado socorro.
Em seguida, os agentes foram até o apartamento de Douglas Felipe Sabara, de 28 anos, amigo de Weverton. Douglas estava cuidando dos seus filhos, pois sua esposa havia saído para trabalhar. O rapaz, também negro, já ou por outras abordagens policiais e, em uma delas, recente, chegou a ser fotografado informalmente por um PM, e a defesa dele acredita que isso possa ter pesado na detenção.
O amigo do pintor também foi detido e apontado como o “segundo cúmplice” do assalto, segundo a PM. Chegando na delegacia, Douglas e Weverton, afirmaram que estavam dentro do condomínio o tempo todo e que desconheciam o ocorrido. Mesmo assim, os dois foram presos.
“Compleição idêntica”
Em depoimento, o policial Fábio Eduardo Somme, disse que não viu a fisionomia dos indivíduos, mas que a “compleição física [biotipo] deles era idêntica”.
A esposa do pintor também afirmou para a reportagem que um dos policiais lhe mostrou uma mensagem de aplicativo de celular no aparelho pessoal dele. Nela, havia uma imagem de Weverton enviada para outro policial e teria sido através dessa foto que a vítima reconheceu o suspeito. Douglas foi reconhecido da mesma maneira.
O procedimento não cumpriu o que é previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, que exige uma série de condutas, que inclui a vítima primeiro descrever o suspeito e, na sequência, várias pessoas com as mesmas características serem colocados lado a lado, para então haver o reconhecimento.
Weverton foi transferido direto para o Centro de Detenção Provisória de Piracicaba. “Por conta da pandemia, algumas cidades estão fazendo a audiência de custódia por videoconferência e em Piracicaba não está tendo audiência de custódia, o que é uma garantia legal da pessoa que é presa”, explica a advogada Marcela Bragaia. Com Douglas, o mesmo script se repetiu.
O promotor Luiz Sérgio Hülle Catani ofereceu denúncia, no dia 29 de junho, contra os suspeitos com fundamento na palavra dos policiais e reconhecimento da vítima e a juíza Flavia de Cassia Gonzales de Oliveira decretou a prisão preventiva.
Violação
A Ponte teve o a um vídeo da câmera de segurança da portaria do condomínio no dia da prisão de Weverton e Douglas.
O conteúdo mostra o porteiro Anderson Fernando da Silva, que estava de plantão na madrugada do dia 28 de junho, destravando o celular que já está sendo tomado por um dos policiais.
Em depoimento, Anderson conta ter afirmado aos policiais que Weverton estava o tempo todo do lado de dentro do condomínio e que não havia entrado ninguém que não estivesse registrado nas câmeras.
A acusação
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo enviou uma nota assinada pela Seção de Comunicação Social do 10º Batalhão de Ações Especiais de Polícia: “A determinação judicial é apenas um dos requisitos para a quebra da inviolabilidade do domicílio e, sim, é bem comum a Polícia Militar realizar averiguações em residências sem autorização judicial”.
Também alegaram que os policiais tendo conhecimento da situação da gestante deveriam prestar socorro e que é comum a conduta de verificar celulares, segundo a Polícia Militar, com autorização do abordado.
O TJSP e o MP não retornaram um contato sobre o assunto.