Disputa na Bola de Neve expõe uso de maquininhas para arrecadar dízimo
Empresa de integrante de conselho da Bola de Neve teria arrecadado dízimos e doações da igreja com maquininhas de cartão de crédito
atualizado
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São Paulo — Em um processo em andamento na Justiça paulista, a pastora e cantora gospel Denise Seixas acusa o conselho da Igreja Bola de Neve de fraude e desvio de dinheiro e cita o uso de maquininhas de cartão para a arrecadação do dízimo de fiéis. A empresa responsável pelos equipamentos está no nome de um dos conselheiros. Denise é viúva do fundador da igreja, Rinaldo Luiz de Seixas, conhecido como Rina.
Após Rina morrer — em novembro do ano ado devido a um politraumatismo depois de um acidente de moto — a viúva e o conselho são os protagonistas de uma ampla disputa pelo comando da sede religiosa.
Segundo a denúncia, a SIAF Solutions Serviços de Tecnologia Limitada, registrada no nome do conselheiro Everton César Ribeiro, arrecadou cerca de R$ 492 mil por meio de 57 notas fiscais reunidas. É apontado ainda que a SIAF aplica uma taxa que pode variar de 3% a 5% sobre o total arrecadado nos templos da igreja.
Ribeiro e outros integrantes do conselho são acusados de terem feito movimentações financeiras na conta de Rina, além de usarem empresas de fachada para prestação de serviços à Igreja Bola de Neve. A empresa de softwares, que também prestaria serviços para outras igrejas evangélicas, é acusada de fornecer as maquininhas de cartão “com o objetivo de centralizar ao máximo toda a arrecadação”.
Entre as acusadas, também está a empresa Green Grid Energy, fundada por Ribeiro e responsável por serviços de consultoria financeira à igreja. O arquivo enfatiza que a companhia, criada em maio deste ano, declarou faturamento de R$ 6 milhões.
Outra empresa citada na denúncia é a Filhos do Rei Serviços de Conservação, que tem como sócia Kelly Cristina Ribeiro Bettio, irmã de Everton Ribeiro. Ela emitiu notas fiscais que chegam a um valor milionário, “embora não se tenha clareza acerca da natureza dos serviços contratados” pela Bola de Neve.
A defesa de Denise ainda afirma que a Bola de Neve é composta por aproximadamente 560 templos, com uma arrecadação que pode alcançar R$ 250 milhões por ano.
Segundo a equipe jurídica da cantora, os líderes do colegiado realizaram ações suspeitas após assumirem a presidência da sede com a morte de Rina. O documento foi enviado ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) e tramita sob sigilo.
O que diz a igreja
Em nota ao Metrópoles, o grupo istrativo da Bola de Neve alegou que o valor informado não condiz com a realidade e apenas gera “confusão na opinião pública”. “A Igreja Bola de Neve esclarece que não são verdadeiras as afirmações de que o faturamento da instituição seja de R$ 250 milhões”, diz o comunicado.
O conselho da igreja disse que a gestão está “totalmente de acordo com a legislação e boas práticas de conformidade”. O colegiado também assegurou que a igreja segue à disposição para prestar esclarecimentos às autoridades competentes.
“Há mais de uma década, as contas e contratos da organização são auditados anualmente e aprovados sem restrições por empresa multinacional, cuja expertise e seriedade são reconhecidas pela qualidade e regularidade dos serviços prestados. Os contratos questionados, aliás, datam de um período em que a própria pastora Denise fazia parte da direção da igreja”, apontou, em nota.
Citado na denúncia, Everton César Ribeiro argumentou que Denise Seixas faz acusações falsas e responderá na Justiça. “Nossos contratos são regulares e auditados e foram firmados quando a pastora ainda ocupava a direção da igreja, o que permite concluir que ou ela age com má-fé ou omissão.”
Novas provas
Recentemente, Denise Seixas apresentou novas provas à Justiça. Ela, que atualmente é presidente interina da instituição, segundo decisão judicial, apontou que Everton César Ribeiro e outros integrantes do colegiado “vêm agindo ilegalmente em seu nome – em mídias sociais, outorgando procurações, movimentando contas bancárias etc. – sem que tenham poder para tanto”.
A pastora reuniu indícios de atuação de indevida por parte de membros do conselho deliberativo da Bola de Neve, que, segundo ela, “podem resultar em sérios prejuízos irreparáveis de ordem material e/ou moral, principalmente com relação a sua credibilidade pública”.
Atualmente, mesmo que a Justiça reconheça Denise como presidente interina da igreja evangélica, entende também que a diretoria istrativa e o conselho deliberativo da instituição permanecem com a composição vigente antes da morte de Rina.
Denise teria oficializado o Banco Bradesco, instituição financeira em que mantém a conta corrente da igreja, para cumprimento de uma ordem judicial. Ela havia solicitado o o a todas as contas de titularidade da Bola de Neve, após a morte do ex-marido.
No entanto, a pastora acusa o conselho de ter ado a movimentar as receitas recebidas pela instituição religiosa por meio de outra conta bancária, mantida em outra instituição financeira, sob o nome fantasia BMP Money Plus, com razão social BMP Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e a Empresa de Pequeno Porte Limitada.
De acordo com a defesa de Denise, por meio da instituição financeira BMP Money Plus, os acusados têm recebido as receitas de titularidade da igreja, mediante a emissão de notas fiscais. No processo, a pastora apresentou 10 comprovantes, supostamente emitidos entre janeiro e outubro de 2024, que totalizam mais de R$ 442 mil.
Além disso, “a título de exemplificação”, Denise expôs um comprovante de R$ 100, de dezembro de 2024, efetivado na conta corrente da igreja na instituição financeira BMP SCMEPP Limitada.
Na notificação judicial, a equipe jurídica da pastora pede que os envolvidos prestem esclarecimentos necessários sobre a movimentação de contas correntes de titularidade dela, assim como a vigência de decisões judiciais no sentido de impedir a referida movimentação financeira, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência.
Ao Metrópoles, a defesa de Denise garante que a cantora gospel não tinha conhecimento das movimentações financeiras. “Denise, neste momento, quer ter o às contas e aos extratos, para ter conhecimento. Mas o dinheiro da igreja ficará centralizado no Bradesco, com auditoria de todas as contas”, explica o advogado.
“A nova presidente se compromete com lisura e seriedade em sua gestão, auditando todas as contas e contratos da igreja com transparência e seriedade, preservando sempre o único interesse da igreja que é salvar vidas”, completa o representante jurídico.
Procurado pela reportagem, Everton Ribeiro disse, em nota, que desconhece a notificação judicial. “Reafirmo que minhas empresas seguem a legislação e as normas de conformidade. Os contratos são auditados e regulares”, argumentou. “Tomarei as medidas judiciais cabíveis caso o meu nome ou das empresas sejam alvo de ilações falaciosas. Igualmente, repudio a divulgação de quaisquer valores, o que fere o direito constitucional ao sigilo financeiro das empresas e de minha pessoa física”.
No mesmo sentido, o conselho deliberativo da Bola de Neve mencionou que também ainda não foi notificado pela Justiça, afirmando novamente que “a gestão está totalmente de acordo com a legislação e boas práticas de conformidade”.
Além disso, o colegiado alega que os contratos questionados eram de conhecimento da pastora Denise Seixas, quando era vice-presidente. “Divulgações ou imputações falaciosas sobre valores serão alvo de providências judiciais cabíveis, para reparação de eventuais danos morais e materiais”, acrescentou via assessoria de imprensa.